Lisboa, Portugal.
Nesta segunda-feira (1º), Dia do Trabalhador, a França viveu um dia de greve nacional e de intensos protestos contra o governo. Manifestantes saíram às ruas para demonstrar contrariedade à reforma da Previdência sancionada recentemente, que eleva de 62 para 64 anos a idade mínima para obter a aposentadoria no país. Confrontos com a polícia ocorrem na capital Paris e em cidades como Nantes e Lyon.
De acordo com balanço do Ministério do Interior divulgado no final da tarde, 60 pessoas foram presas. Segundo o ministro responsável pela pasta, Gérald Darmanin, “a grande maioria dos manifestantes são pacifistas”. No entanto, o membro do alto escalão do governo acusou de violência participantes dos protestos nas cidades de Paris, Nantes e Lyon: “a polícia enfrenta bandidos extremamente violentos que vieram com um objetivo: matar policiais e atacar a propriedade alheia”, escreveu Darmanin nas redes sociais.
Vídeos divulgados nas redes sociais ao longo desta segunda-feira (1º) mostram os confrontos entre a polícia e os manifestantes. Conforme a Polícia Nacional francesa, estão nas ruas 12 mil policiais, incluindo 5 mil na capital. O órgão, no entanto, não divulgou um balanço de quantos manifestantes estiveram nas ruas. Já as organizações sindicais falam em mais de 1 milhão de participantes nos atos.
Os protestos foram convocados em conjunto pelos 13 principais sindicatos e organizações juvenis do país. Segundo a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), “é a primeira vez em décadas” que todas as entidades sindicais estão unidas no mesmo cartaz e com o mesmo lema, chamado de #stop64. A principal reivindicação é a revogação da reforma previdenciária. Yvan Ricordeau, secretário-geral da Confederação Democrática Francesa do Trabalho (CFDT), avaliou que o 1º de Maio “cumpriu todas as promessas” e foi “histórico”.
Como já vinha sendo previsto pela Direção-Geral da Aviação Civil (DGAC, sigla em francês), a greve nacional causa cancelamentos de voos nos aeroportos franceses. Os dois maiores aeroportos localizados na capital orientam os passageiros a checar diretamente com as companhias aéreas o status dos voos. A Ryanair, uma das principais companhias aéreas da Europa, anunciou no último sábado (29) que cerca de 220 voos poderiam ser cancelados, impactando cerca de 40 mil passageiros, mas o número final não foi confirmado nesta segunda (1º).
Três meses de protestos
A greve geral neste Dia do Trabalhador faz parte de uma sequência de manifestações iniciadas há cerca de três meses, quando o projeto de lei da reforma da Previdência foi anunciado. Entidades sindicais divulgaram que alguns dos protestos reuniram 3,5 milhões de pessoas.
Além das manifestações nas ruas e bloqueios de estradas, diferentes classes de trabalhadores têm realizado paralisações no país. No início de abril, toneladas de lixo ficaram nas ruas de Paris, sem serem recolhidas, por bloqueios nos locais de incineração dos resíduos. A polícia atuou no desbloqueio e determinou que funcionários realizassem a coleta do lixo.
Já na área da aviação, conforme a DGAC, pelo menos seis paralisações causaram cancelamentos de voos e restrição do tráfego aéreo francês, acarretando também em atrasos em outros aeroportos europeus. Neal McMahon, diretor de operações da Ryanair, criticou a situação: “Mesmo os passageiros que não estão voando de/para a França são afetados porque sobrevoam o espaço aéreo francês”, disse.
Outros transportes como linhas de metrô, trens e ônibus também foram afetados na série de protestos. Funcionários públicos, professores e trabalhadores de refinarias também paralisaram as atividades pontualmente, culminando no cancelamento de aulas e na falta de combustíveis em postos do país. A torre Eiffel, um dos principais pontos turísticos do país, chegou a ser fechada no dia 28 de março devido aos atos grevistas.
O percurso da reforma
No dia 10 de janeiro, a primeira-ministra francesa, Élisabeth Borne, anunciou o projeto de lei da reforma da Previdência. A principal justificativa do governo é equilibrar o sistema de aposentadorias do país. Segundo dados apresentados pela ministra, sem a mudança, o déficit seria de 12 bilhões de euros em 2027, 14 bilhões de euros em 2030 e 21 bilhões de euros em 2035.
A proposta imediatamente desagradou os sindicatos franceses, que convocaram uma paralisação geral dos trabalhadores, ocorrida em 19 de janeiro. Foi o primeiro dia de muitos protestos realizados desde então, em uma tentativa de fazer com que o governo retirasse a proposta.
Mesmo assim, as autoridades não recuaram. Sem maioria para aprovação no Congresso, o governo utilizou, no dia 16 de março, uma brecha legal existente na Constituição para aprovar o projeto sem votação. A intensidade dos protestos aumentou depois disso, com críticas por parte dos trabalhadores e de partidos políticos.
A lei foi sancionada cerca de um mês depois, no dia 15 de abril, após o Tribunal Constitucional do país aprovar a nova lei. O órgão é responsável por analisar se as mudanças na legislação estão de acordo com a Constituição.
Após a decisão, o governo francês declarou que a aprovação marcou o “fim do progresso institucional e democrático desta reforma”. Segundo Élisabeth Borne, a reforma vai permitir um equilíbrio no sistema previdenciário até 2030.
Já as entidades sindicais argumentam que a lei aumenta as desigualdades e prejudica os trabalhadores idosos. Outro argumento é que as mulheres são as mais prejudicadas, por se aposentarem mais tarde e com valores menores. Segundo a Confederação Geral do Trabalho (CGT), as mulheres recebem menos 28% do que os homens, o que torna a aposentadoria mais baixa.
A CTG ainda estima que a mudança vai deixar de fora 120 mil mulheres que já teriam direito a se aposentar. A entidade defende que a solução para o déficit no sistema é aumentar os salários, criar empregos, acabar com isenções de contribuições existentes e mobilizar excedentes da Previdência Social para o pagamento das aposentadorias.
A França possui hoje 17 milhões de aposentados. A previsão é que o número aumente para 20 milhões em 2040, com projeção de que a população ativa se mantenha em 39 milhões de pessoas. Segundo o Ministério do Trabalho, as mudanças no sistema de aposentadoria vão começar a ser implementadas gradualmente a partir de setembro deste ano.