
Jornalista
Uma multidão se aglomerou por uma longa fila de quase 200 metros na principal avenida do centro de Dublin no início da tarde desta segunda-feira (30). Centenas de brasileiros, dentre eles muitos motociclistas, carregaram faixas e cartazes por mais de duas horas com pedidos de justiça pelo trágico atropelamento do compatriota João Henrique Thomaz Ferreira, de 23 anos, no último sábado (28).
O jovem entregador por aplicativos acompanhava a polícia local no resgate de duas motocicletas roubadas quando foi surpreendido por uma viatura discreta. João aguardava, no acostamento da rodovia M-50, a chegada de mais agentes de segurança quando o veículo polícial desviou da rota e atingiu o jovem. O automóvel prensou a perna direita de João contra o guard rail da rodovia, o que, mais tarde, resultou na amputação do membro. O jovem segue hospitalizado sob o uso de sedativos, conforme detalhou ao Agora Europa uma fonte próxima à família da vítima.
O protesto desta segunda (30) iniciou por volta das duas horas da tarde na O’Connel Street, a principal avenida da Capital irlandesa. Os manifestantes seguiram pela via na direção norte até a Parnell Street, retornando pela direção contrária, em direção ao sul da cidade.
O grupo, então, cruzou o rio Liffey, passando pela Trinity College, a mais tradicional universidade do país. Em seguida, o protesto percorreu alguns metros da Dame Street, retornando pela mesma via em direção à Pearse Street, onde está também localizada a Estação da Garda, sede da unidade de policiamento comunitário.
Durante todo o percurso, os manifestantes reivindicaram com gritos de “Justiça para João”. Na dianteira do protesto, uma longa faixa com os dizeres: “Viemos em paz. Justiça para João”. Os participantes, também carregavam faixas com dizeres como “Imigrantes não são inimigos” e com pedidos de “Paz nas ruas”. Na linha de apoio, dezenas de motoqueiros, de diversos aplicativos de entrega de comidas, promoviam um buzinaço para chamar atenção ao ato. Todo o percurso foi realizado de forma pacífica e escoltado pelos Escolta de Batedores da Garda.
Protesto pede por justiça a jovem brasileiro atropelado pela polícia irlandesa | Cristiano Goulart – Agora Europa
O movimento popular para recuperar bens roubados
Não é de hoje que entregadores de comida por aplicativo reivindicam mais atenção da polícia irlandesa para os incontáveis casos de roubos de bicicletas e motos na capital do país. No final de julho deste ano, representantes dos trabalhadores e da Garda Síochána (polícia local) chegaram a se reunir para tratar do tema.
No encontro, uma das principais preocupações era o início de um movimento popular, organizado pelos entregadores, de recuperação dos bens roubados ou furtados. A iniciativa nasceu da percepção dos entregadores de que a polícia não dava a devida atenção ao tema.
A perseguição que resultou no atropelamento de João
Anderson Alencar (22), amigo e colega de trabalho de João há mais um ano, estava na região central de Dublin, no último sábado, quando recebeu o alerta de um outro entregador (“Matheus”). Pela tela do celular, Anderson teve acesso à localização de mais uma moto furtada, poucos dias antes, que agora voltava a circular pelas ruas da cidade, mas em posse dos criminosos. A motocicleta, no entanto, estava sendo monitorada em tempo real.
“A gente veio pro Temple Bar. Daí, do Temple Bar, eles começaram a se locomover para o sul, em direção a Dundrum. Chegando em Dundrum, eles se desceram para Sandyford, eles conseguiram dar um ‘arredou’ no shopping, e deram um perdido na gente”, relata Anderson.
Em Sandyford, no extremo sul de Dublin, o grupo de oito motoqueiros brasileiros conseguiu localizar uma viatura da Garda e comunicar que a motocicleta roubada circulava pela região. Neste momento, a busca pelos criminosos ganhou o reforço da polícia local e seguiu em direção ao oeste da cidade pela rodovia M-50, que circunda a capital irlandesa.
A partir de então, o grupo de brasileiros passou a acompanhar a perseguição à distância, deixando o protagonismo da busca sob responsabilidade das viaturas. Foi após alguns quilômetros na rodovia, que os políciais conseguiram interceptar quatro criminosos, em duas motos, que tentaram ainda resistir à abordagem:
“Eles [os criminosos] dobraram na contramão e deram de frente com a Garda. Foi aí que dois caíram e dois fugiram”, relata Anderson.
Alencar e João integravam o grupo de brasileiros que iniciou a perseguição e ambos também estavam no local em que a polícia interceptou os criminosos e recuperou as motos roubadas. Segundo Anderson, o atropelamento do colega ocorreu quando a situação já estava controlada:
“Toda controlada. E o João parou um pouco distante, uns 15, 20 metros porque ele não queria se envolver. [Daí veio] Essa viatura e o João fez assim pra eles [Anderson gesticula indicando direção com os braços], apontou pra lá, indicando que era lá onde tinha sido o ocorrido, e o Garda simplesmente saiu da pista e avançou pra cima do João. O João não teve tempo de defesa, nem nada. Foi muito rápido”, explica o brasileiro.
Anderson afirma ainda que, mesmo após atropelar o brasileiro, o agente da Garda, que conduzia um veículo discreto, não saiu do automóvel para prestar socorro. O polícial, cuja identidade ainda não foi divulgada, deixou o veículo somente quando outros políciais, que estavam na ocorrência do roubo, se aproximaram do local do atropelamento.
A violência da colisão é também visível no dano estrutural do guard rail da rodovia. A perna direita de João foi prensada contra a proteção.
Sem a presença de agentes treinados para prestar os primeiros socorros, coube aos amigos de João a iniciativa de acalmar o brasileiro diante das fraturas expostas na perna e enquanto aguardava a chegada da equipe de resgate. No local, um dos brasileiros do grupo de oito motoqueiros utilizou uma corda para cumprir a função de torniquete e, dessa forma, estancar temporariamente a fratura na perna da vítima.
Perna amputada e familiares desolados
Do local do atropelamento, João Henrique foi enviado para o Hospital Universitário de Tallaght, zona sudoeste da cidade. No local, o jovem passou por duas cirurgias, que resultaram na amputação da perna fraturada pelo atropelamento.
Segundo uma fonte próxima da família, que conversou com o Agora Europa, o jovem segue sob o uso de sedativos para conter as dores causadas pelo atropelamento e cirurgia. A decisão de amputar a perna danificada foi tomada por quatro médicos do hospital de Tallaght.
A família de João, diz o entrevistado, foi pega totalmente de surpresa com a notícia e todos estão “transtornados”. O brasileiro é filho do prefeito da cidade paulista de São José dos Campos, Anderson Farias (PSD). A mãe do rapaz, Sheila Thomaz Ferreira, viajou para a capital irlandesa para acompanhar o caso e monitora o filho diretamente do hospital em que está internado.

Nesta terça-feira (31), Sheila, acompanhada de um advogado e confiança da família, vai se reunir com representantes do governo irlandês para discutir as medidas legais a serem adotadas no caso. A família, embora preocupada com a recuperação de João, também discute as possibilidades de busca de reparações pelos danos causados, assim como entender o que motivou um agente policial a atropelar o jovem brasileiro.
Sem respostas do Governo da Irlanda
Contatado pelo Agora Europa nesta segunda-feira (30), o Ministério da Justiça do país, assim como a Garda Síochána, não responderam aos questionamentos referentes ao incidente. Também não foi confirmada a atual condição do agente polícial que atropelou João Henrique, se está preso ou detido, ou sob qual acusação está sendo investigado.