
Lisboa, Portugal.
Um grupo de aproximadamente 50 pessoas realizou um protesto no final da tarde desta terça-feira (16) contra situações de xenofobia na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). De acordo com os organizadores, o ato teve o objetivo de demonstrar indignação contra uma declaração xenófoba de um estudante português durante uma reunião oficial da universidade em abril passado.
“[Os brasileiros] merecem levar com uma pedra”, disse o estudante, que é conselheiro do curso de Direito, se referindo aos alunos que aprovaram uma carta entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O documento continha uma série de reivindicações como melhoria no acesso aos serviços públicos do país, como o Número de Utente (equivalente ao Cartão SUS do Brasil), melhores condições de moradia, valor das mensalidades e reconhecimento mais rápido dos diplomas acadêmicos brasileiros em Portugal.
Lula esteve em Lisboa no mês passado e acordos na área da Educação esteviveram na pauta de debates entre ministros do Brasil e de Portugal. A carta foi entregue ao ministro Silvio Almeida, do Ministério dos Direitos e Humanos, e Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial.
A declaração do aluno sobre atirar pedras em brasileiros faz referência a um caso de xenofobia ocorrido em 2019 na mesma universidade. Na ocasião, uma caixa com pedras foi instalada no hall do prédio com um cartaz que dizia “Grátis se for para atirar a um zuca”, fazendo referência à palavra brazuca, como os brasileiros se autointitulam. Apesar da repercussão negativa para a universidade, ninguém foi punido na ocasião e o ato de xenofobia foi considerado como “uma brincadeira”.
Os participantes do protesto, realizado nesta tarde em frente ao prédio da faculdade, gritaram palavras de ordem enquanto seguravam cartazes com dizeres como “Não é piada, é xenofobia”, “Orgulho de ser brasileiro, diga não à xenofobia”, “Não ao apagamento da xenofobia”, e “Brasileiros não se calam”. O grupo também pediu a expulsão do aluno que proferiu a frase contra imigrantes do Brasil.
Para estudantes ouvidos pela reportagem do Agora Europa durante o protesto, a falta de punição pode incentivar que os crimes continuem: “Essa falta de atenção, e de medidas, permite que essas ações aconteçam”, afirma a brasileira Gabriela Rodrigues, aluna do primeiro ano do Mestrado em Direito.
Para Carlos Diego Peixoto Souza, que também cursa Mestrado na universidade, a sensação é de impunidade: “A não resposta, a omissão e a leniência demonstram para essas pessoas que continuam praticando esses discursos de ódio que isso é permissível e aceito”, desabafa.
De acordo com o imigrante, atos públicos como o realizado hoje chamam a atenção das autoridades da universidade: “É importante que a comunidade acadêmica, e a universidade como um todo, tenham uma atitude enérgica nesses casos para mostrar que dentro das paredes da universidade, onde se espera a pluralidade de ideias, esse tipo de ato é inconcebível”, argumenta Carlos Diego.
Apesar de a maior parte dos participantes do ato ter sido composto por brasileiros, estudantes portugueses também marcaram presença e demonstraram solidariedade: “(A universidade) quer manter o bom nome, mas para ajudar as vítimas de assédio e xenofobia fazem muito pouco”, analisa a portuguesa Dejanira Vidal, estudante do terceiro ano de Direito.
A estudante, que é vice-presidente do Núcleo Feminista do curso, ressalta que vê com frequência situações de xenofobia na universidade: “Os professores descontam nota quando escrevem com vocábulos brasileiros e falam como ‘teu resultado no exame foi muito bom, nem parece que é brasileira’”, relata Dejanira.
Os casos relatados pela aluna vão ao encontro de outros citados por estudantes da Faculdade de Direito em abril do ano passado, quando também foi realizado um ato contra xenofobia e assédio. Na ocasião, uma comissão criada dentro da faculdade identificou 50 relatos de crimes praticados por 31 professores, o equivalente a 10% do corpo docente.
“Não toleramos discriminação”
Em resposta ao Agora Europa, a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL) afirmou que “repudia e não tolera qualquer situação de discriminação”. Sobre a declaração do aluno, as autoridades acadêmica confirmaram que foi aberto um processo disciplinar que está em andamento.
A FDUL pontou no comunicado que “a Faculdade tomará sempre todas as medidas ao seu alcance para combater a discriminação” e que “está sempre ao lado dos seus estudantes, docentes e pessoal não docente”. A direção do curso recomendou ainda que casos semelhantes sejam denunciados ao Provedor do Estudante e defendeu que “todas as situações denunciadas formalmente à Direção da Faculdade de Direito são objeto do devido procedimento legal”.
Por fim, a faculdade ressaltou que o caráter multicultural dos alunos “é uma das suas mais-valias, uma vez que valoriza a experiência de toda a comunidade acadêmica”. Atualmente, cerca de 40% dos estudantes da Faculdade são brasileiros, o equivalente a 2,2 mil alunos. No total, a FDUL possui 5,5 mil universitários, entre licenciatura, mestrado e doutorado.