Operação resgate: o caminho dos refugiados na Ucrânia

Estacão de Lviv, na Ucrânia, é o atual eixo principal de saída de refugiados – Foto: Cristiano Goulart/Agora Europa

Por Cristiano Goulart, enviado especial à Ucrânia

No estacionamento do hotel em Lublin, na Polônia, Rodolfo Caires (32) organiza caixas de sucos, pães, leite e água que ocupam todo o espaço do porta-malas do veículo utilizado pelo brasileiro. O destino das doações é a cidade de Lviv, na Ucrânia, eixo de evacuação de refugiados pelo oeste do país. Essa é a quarta vez que o brasileiro está cruzando a fronteira em menos de uma semana. 

Natural de Brasília, o farmacêutico mora há quase cinco anos na Irlanda e, poucos dias antes do início dos conflitos, havia visitado a Ucrânia em viagem de turismo: “Eu tinha acabado de vir pra cá (Ucrânia). E logo em seguida o país, que é fantástico, tem muita história, muita cultura, foi atacado assim, de maneira criminosa. Daí eu pensei: eu tenho que vir. Tenho que ajudar”, relata Rodolfo.

Brasileiro que mora na Irlanda decidiu ajudar os refugiados. Foto: Cristiano Goulart / Agora Europa

A travessia da Polônia para a Ucrânia ocorreu pela fronteira de Dolhobyczów-Kolonia. Logo após o posto migratório, uma fila de quase cinco quilômetros de carros aguardava para entrar no território polonês. Diversas famílias deixam o país a pé, carregando apenas o que as mãos conseguem transportar. Algumas mães caminham pela beira das estradas com mochilas, malas e crianças de colo. 

Longas filas são encontradas nas fronteiras. Foto: Cristiano Goulart/Agora Europa

No percurso até Lviv, diversas barricadas foram montadas ao longo da estrada. Em muitas delas, militares abordam os veículos e conferem os documentos dos passageiros: “Para onde vão?”, questiona um policial, cujo rosto é coberto por um capuz escuro. “Para Lviv”, responde Rodolfo em ucraniano. 

Antes de viajar para a Ucrânia, o brasileiro estudou algumas frases e perguntas básicas para realizar os trajetos e justificar as viagens. Rodolfo também carrega um agrado para os policiais. No porta-malas do carro, há latas de e energéticos e maços de cigarros, que são distribuídos aos militares alocados em pontos remotos das estradas. “Pra esse daí eu não vou dar. Tem cara de bravo”, brinca o imigrante, que tenta manter o bom humor durante todo o percurso.

Os combustíveis também estão sendo racionados no território ucraniano. Nos postos, cada veículo pode abastecer o máximo de 20 litros. “Na semana passada, eu estava pagando 30 e já está 42 (Hryvnia) agora. Em uma semana, isso é incrível”, surpreende-se Rodolfo.

Enquanto o grande movimento de carros se dá na direção polonesa, inúmeros automóveis ainda são vistos seguindo para o território ucraniano. A maior parte deles, carrega avisos anexados nos parabrisas com os dizeres como “Ajuda humanitária” ou “Voluntários”. Os automóveis carregam doações para os refugiados que ainda não deixaram a Ucrânia, mas também ajudam na evacuação do país, dando carona para quem busca escapar da guerra.

Rodolfo já transportou treze pessoas para fora da Ucrânia. O brasiliense integra uma força-tarefa organizada por brasileiros de forma totalmente autônoma. O grupo, chamado de BrazUcra, já resgatou mais de 40 refugiados desde o início dos conflitos. A ação prioriza a retirada de outros brasileiros, mas também oferece transporte para pessoas de outras nacionalidades.

Brasileiro resgata família ucraniana

Família foi resgatada com segurança – Foto: Cristiano Goulart

A ucraniana Yana Solohub (38), cuja mãe compartilha da mesma nacionalidade, mas o pai é russo, morava há oito anos em Kiev, capital do país. Com duas filhas pequenas, uma de 13 e outra menor, de dois anos e meio, Yana deixou a cidade após um dos apartamentos próximo de onde residia ser bombardeado:

“Eu, todas as noites, escutava as bombas: ‘boom, boom'”. Eu não conseguia dormir. Eu só pensava nas minhas filhas. Por que eu tenho de viver com isso?”, questions Yana.

Formada em Administração, a refugiada deixou a mãe e o irmão na Ucrânia. Ambos decidiram permanecer no país. Sem amparo do pai, que é egípcio, a ucraniana cria as filhas sozinha: “Ele diz que não está pronto para ser pai”, revela.

A filha mais velha, Aisha, diz que ensinou inglês para a mãe, que sorri em sinal de concordância. A pequena sonha em ser professora de ginástica rítmica, esporte no qual a Ucrânia é referência mundial. Yana mostra com orgulho a última apresentação do esporte: “Eu tenho talento para ensinar. Eu consigo ensinar as crianças que estão começando a aprender”, afirma Aisha, orgulhosa.

Yana e a família foram resgatadas pelo brasileiro Rodolfo. No caminho de volta, o grupo passou por oito barreiras militares e foi parado em seis delas. Em uma das ocasiões, a abordagem durou quase 30 minutos. Os militares exigiam um documento oficial que comprovasse a atividade voluntária do brasileiro. Com a ajuda de Yana, os policiais decidiram deixá-los seguir a viagem, mesmo sem o documento.

O destino do grupo foi a fronteira de Dorohusk, na fronteira noroeste da Ucrânia, alcançada quase quatro horas após a partida. Essa, no entanto, não foi a parada final da família de Yana. A refugiada buscará a ajuda de amigos em Varsóvia, na capital polonesa. Yana também cogita ir para a Holanda, onde um outro grupo de amigos espera pela ucraniana. Depois que a guerra terminar, a refugiada planeja voltar para a terra natal, desde que o país não esteja sob domínio russo.

Esta é a primeira reportagem da série Em busca de refúgio, que relata a luta de quem precisa deixar a Ucrânia devido à guerra no país.

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