Lisboa, Portugal.
*Com colaboração de Daiane Vivatti
Com o objetivo de coibir a travessia de barcos com migrantes sem documentos no Canal da Mancha, os governos do Reino Unido e França vão ampliar a fiscalização na região. Segundo o acordo formalizado nesta segunda-feira (14), durante os próximos cinco meses, haverá um aumento de 40% no número de guardas que realizam o patrulhamento no mar e nas praias localizadas na região onde há a maior concentração de pessoas tentando fazer o cruzamento do território francês para o britânico.
De acordo com o Ministério do Interior do Reino Unido, o objetivo da cooperação é “interromper travessias e reprimir traficantes de pessoas”. Já a pasta francesa destaca que as ações visam “inviabilizar rotas de embarcações improvisadas, salvar vidas, desmantelar grupos criminosos, e prevenir e impedir a migração irregular em países de trânsito”.
A estratégia definida em conjunto prevê a atuação em três diferentes frentes, sendo a primeira “estancar” as travessias em embarcações improvisadas, por serem consideradas ilegais pelos governos. Para isso, serão utilizados recursos tecnológicos e profissionais especializados na fronteira.
A segunda é o combate ao crime organizado e às chamadas “redes de facilitação” que coordenam as travessias, geralmente cobrando altas taxas em dinheiro dos imigrantes. Por fim, deverão ser realizadas ações “políticas e de comunicação” em conjunto com os países de origem das principais nacionalidades que realizam as viagens através do Canal da Mancha.
Os governos também destacaram que haverá um maior trabalho de inteligência, com investimento em tecnologias de vigilância “nos principais pontos de passagem fronteiriços ao longo da costa”, uso de drones e helicópteros. Por outro lado, também faz parte do acordo um investimento nos centros de acolhimento no sul da França, com a oferta aos estrangeiros de “alternativas seguras” de imigração.
“Não há soluções rápidas, mas esse novo arranjo significa que podemos aumentar significativamente o número de agentes franceses que patrulham as praias no norte da França e garantir que os oficiais do Reino Unido e da França estejam trabalhando lado a lado para impedir os contrabandistas de pessoas”, defende Suella Braverman, secretária do Interior do Reino Unido.
“Desafio global”
De acordo com a secretária, a travessia de imigrantes sem documentos é um “desafio global” e frisou que há interesse de ambos os governos em resolver a situação: “Devemos fazer tudo o que pudermos para impedir que as pessoas façam essas viagens perigosas e reprimir as gangues criminosas”, complementou. O investimento do governo britânico é de 72,2 milhões de euros. Os valores investidos pela França não foram divulgados.
Em 2021, os governos da França e Reino Unido impediram 23 mil travessias, enquanto o número deste ano já chega a 30 mil, segundo os ministérios. Também foram desmantelados 55 grupos de crime organizado que atuavam na região, com mais de 500 prisões. Desde o início de 2020, mais de 140 contrabandistas foram condenados pela atuação conjunta entre as duas nações, com penas que chegam a 400 anos de prisão. Segundo dados da Europol, até o final do ano passado, 50 mil pessoas tentaram fazer a travessia de barcos, número três vezes maior do que em 2020.
Refugiados em busca de asilo
A cidade portuária de Calais fica localizada no norte da França e é o município francês mais próximo da Inglaterra. Na localidade, um campo de refugiados foi demolido em 2016 com a retirada de milhares de migrantes, ainda há concentração de pessoas que buscam realizar a travessia. De acordo com organização voluntária Care4Calais, que atua na região, a maioria dos refugiados encontrados pelas equipes de auxílio são do Afeganistão, Sudão, Eritreia, Iraque, Irã e Síria: “Essas pessoas estão fugindo dos piores e mais perigosos países deste planeta”, diz a entidade.
Segundo a instituição, as viagens realizadas pelos que chegam até o local são “incrivelmente perigosas e horripilantes”. A organização descreve que há milhares de pessoas que morrem afogadas atravessando o Mediterrâneo, além de histórias de brutalidade e abuso na rota dos Balcãs, além de fotografias de mercados de escravos humanos e tortura na Líbia: “Só faz sentido que sejam viagens feitas por pessoas que não têm escolha”, defende a ONG.
No Reino Unido, após o anúncio do acordo, o Conselho de Refugiados (Refugee Council) criticou o que chamam de “crise do asilo” em território britânico. Segundo a entidade, a medida “não aborda os fatores que fazem com que homens, mulheres e crianças façam viagens perigosas para chegar ao Reino Unido”.
“É necessário um acordo que se concentre na criação de rotas mais seguras, como o reagrupamento familiar e o trabalho com a UE e outros países para encontrar soluções globais para compartilhar a responsabilidade pelo que é um desafio global, à medida que mais pessoas são deslocadas pela guerra, terror e violência”, destacou a organização por meio das redes sociais.
De acordo com o Conselho dos Refugiados, cerca de 122 mil pessoas “estão vivendo no limbo” esperando uma resposta sobre o pedido de asilo. Os dados mostram que os números aumentaram quatro vezes em cinco anos. O tempo médio de espera é de três anos. Atualmente, aproximadamente 40 mil refugiados aguardam entre um a três anos por uma decisão. Além disso, mais de 700 estão esperando há mais de cinco anos.
“Precisamos urgentemente de avançar para um sistema de asilo justo, ordenado e compassivo que sempre veja o rosto por trás do caso e lide com as reivindicações de maneira oportuna e eficaz”, defende Enver Solomon, CEO do Conselho de Refugiados.