Lisboa, Portugal.
Em apenas uma semana, mais de 55 mil cidadãos estrangeiros de países de fora da União Europeia (UE) efetuaram a inscrição no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para trabalhar em Portugal. O número foi divulgado nesta sexta-feira (11) pela ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, em audiência no Parlamento.
O cadastro na plataforma de emprego é um dos passos obrigatórios para a solicitação do visto de procura de trabalho, lançado recentemente. A procura representa uma média de 7 mil inscritos por dia. Até o momento, o ministério não informou dados de nacionalidade dos estrangeiros que realizaram a inscrição. O objetivo do governo português é preencher o déficit de 50 mil profissionais no setor do turismo, para atuar em estabelecimentos como em restaurantes e hotéis.
Já a etapa específica de aplicação para os novos vistos de trabalho começou no último final de semana para quem reside no Brasil, com abertura dos pedidos no site da VFS Global, que detém o serviço de concessão dos documentos. A empresa ainda não divulgou dados sobre a procura pela solicitação de vistos nestes primeiros dias de liberação.
Em entrevista ao Agora Europa, a secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, afirmou que “é difícil estimar que resultados concretos conseguiremos angariar ao nível da atração de talento para Portugal”. Mesmo com a incerteza, Marques complementou que as perspectivas são “positivas”.
Pelas regras do visto de procura de trabalho, para que os imigrantes sejam autorizados a continuar morando no país após o fim do período de visto, é preciso que firmem um contrato de trabalho. No entanto, não será aceita a modalidade de prestação de serviço através do trabalho autônomo, conhecido no país como “Recibos Verdes”.
Segundo o último relatório do Instituto Nacional de Estatística (INE), o setor de serviços, que inclui as áreas do turismo, é o que mais emprega trabalhadores nessa modalidade, com 60% do total. De acordo o INE, dos 687 mil profissionais que trabalham com Recibos Verdes, 480 mil são do setor de serviços.
Questionada sobre o assunto, que pode ser um entrave para a permanência dos estrangeiros em Portugal, a secretária citou que o governo busca a promoção de vínculos trazendo estabilidade: “quer diretamente, por via de incentivos à contratação estável, quer indiretamente, privilegiando ações (…) que contribuem para a plena atividade da restauração (área de hospitalidade) durante todo o ano”. No entanto, Marques não especificou quais as ações exatas que estão sendo tomadas nesse sentido.
A Associação da Hotelaria Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) disse ao Agora Europa que, na próxima semana, vai apresentar estratégias sobre o que está sendo feito com os associados para estimular a formalização de contratos no setor. A AHRESP, maior associação da área no país, é uma das principais defensoras da atração de mão de obra estrangeira para suprir o déficit de trabalhadores.
Desafios ao país
Ao mesmo tempo em que o governo português defende que a criação dos novos vistos é um dos passos para atrair mais profissionais, entende que há outros desafios a serem superados para a chegada dessa mão de obra ao país. Segundo a secretária do Turismo, é necessária uma “articulação entre várias áreas governativas, incluindo as áreas dos negócios estrangeiros, trabalho e habitação, que muito têm trabalhado e contribuído para o alcance deste objetivo”.
A crise imobiliária, especialmente onde Lisboa, onde residem 42% dos imigrantes, segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), é uma das questões mais debatidas no país atualmente. Em resposta ao Agora Europa, a Câmara de Lisboa e o Ministério das Infraestruturas e Habitação disseram não possuir políticas específicas para os estrangeiros que chegam para morar no país. Entre as medidas apresentadas, porém, para médio e longo prazo, estão previstas iniciativas como a redução de impostos em novos imóveis e ampliação no número de apartamentos com aluguéis acessíveis.
Além da falta de imóveis, o aumento nos valores de aluguel tem sido recorde. De acordo com a Confidencial Imobiliário, que realiza relatórios periódicos sobre os preços, houve um aumento de 10% nos valores de contratos em Lisboa e Porto. A subida corresponde aos meses de julho, agosto e setembro, na comparação com os três meses anteriores. Conforme a empresa, o valor do aumento trimestral foi um recorde no país.
Em geral, os proprietários dos imóveis cobram até seis meses de aluguel adiantado e exigem fiador de nacionalidade portuguesa com um determinado nível de renda. Além disso, a xenofobia pode ser um entrave para imigrantes que tentam alugar casas ou apartamentos no país. A médica amazonense Bianca Abinader Acquadro, 41 anos, teve uma proposta de aluguel recusada “por causa da nacionalidade”, conforme a resposta recebida pelo representante do proprietário do imóvel.
Em entrevista ao Agora Europa, a brasileira, que mora com o marido e duas filhas adolescentes, desabafou sobre a situação: “doeu demais”. De acordo com Bianca, que está à espera de um imóvel adquirido ficar pronto, a solução será ficar temporariamente em um espaço de aluguel temporário, mas reconhece que nem todos os imigrantes possuem esse tipo de condição:
“Imagina o imigrante que vem tentar a sorte, fugir da crise, em busca de uma vida melhor pra família mas não é branco, não tem emprego ainda ou ainda está regularizando a situação”, analisa a brasileira. A profissional contratou uma advogada que vai acionar o Alto Comissariado das Imigrações sobre o caso.
Primeiros imigrantes com novos vistos devem chegar a partir de janeiro
Segundo a VFS Global, o tempo médio de apreciação dos aplicantes do visto de procura de trabalho no Brasil é de 60 dias. Ao chegarem no território luso, os estrangeiros terão o prazo máximo de 180 dias para serem contratados formalmente. Caso contrário, serão obrigados a deixar o país.
Já os detentores do visto que conseguirem a formalização do contrato, terão um agendamento marcado no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para receber a Autorização de Residência (AR), válida inicialmente por dois anos. Os atendimentos serão somados ao atual fluxo de trabalho, que tem 200 mil processos de legalização por Manifestação de Interesse (MI) em andamento.
O período também vai coincidir com o processo de transição do órgão para uma agência de imigração, que será responsável pelo serviço. Segundo o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, o funcionamento da nova agência e os demais detalhes estão sendo realizados pela equipe de governo e serão conhecidos até o final deste ano.