Portugal: SEF descumpre prazo de renovação da residência de estudantes


Ansiedade, planos de final de ano cancelados e risco de perder o emprego são algumas das consequências causadas pela demora na renovação das autorizações de residência em Portugal, cujo processo, de responsabilidade do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), tem sido descumprido pelo órgão português. Diversos estudantes brasileiros e de outras nacionalidades, contactados pelo Agora Europa, estão apreensivos com a demora para recebimento da Autorização de Residência (SEF) renovada.

Com o documento sem validade, os imigrantes não podem viajar para fora do país e correm risco de perder empregos e bolsas de estudo, por exemplo. O Agora Europa conversou com estudantes brasileiros que estão à espera da Autorização de Residência desde agosto e que nunca tiveram que passar tanto tempo esperando. Alguns deles preferem não ser identificados por medo de represálias.

Uma mineira que estuda mestrado no Porto afirma que a incerteza está a afetando psicologicamente: “Não aguento mais, isso tá acabando com minha saúde mental. Tem três anos que não vejo minha família e o trabalho pressionando para receber o documento válido”, desabafa a brasileira, que efetuou o pedido no site e realizou o pagamento no dia 24 de agosto.

Print enviado pela imigrante.

A estudante tinha planos de viajar para o Brasil e passar o Natal com os familiares, mas, sem saber quando terá o documento em mãos e com a proximidade da data, a viagem fica inviável: “Eu sinceramente não sei mais o que fazer. Nunca me senti tão impotente”, lamenta a imigrante.

Todos os universitários ouvidos pela reportagem relatam que, quando conseguem contato com o SEF, ouvem uma resposta diferente, o que os deixa ainda mais apreensivos. Além disso, o acompanhamento online do processo muda de status frequentemente: “Nós nem sabemos o que isso significa”, explica a estudante Marina Garcia, de 33 anos, que estuda na Universidade do Minho, em Braga.

“Tenho conversado com pessoas na mesma situação que perderam a bolsa de estudos ou estão sem conseguir emprego por estarem irregulares; ilegais, na verdade. É um desrespeito total”, contextualiza a mestranda. 

Através das redes sociais, pelo menos duas dezenas de estudantes dialogam sobre o que pode ser feito para resolver a situação e tentam se ajudar: “Eu, por exemplo, não tenho muito tempo pra ficar ligando no SEF, então quem tá com mais tempo liga e repassa a informação”, conta um estudante natural do Amazonas.

O brasileiro, que mora em Lisboa e quer mudar de emprego, fica impossibilitado de concretizar o plano profissional sem ter um documento válido: “Mesmo a atual empresa em que trabalho está pressionando pela residência válida, estou tentando postergar”, explica o imigrante, que faz mestrado em Direito Internacional. 

“Estamos nos sentindo desamparados”

Assim resume uma estudante de mestrado em Lisboa e que está em contato com outros universitários na mesma situação. De acordo com a jovem, estudantes que fizeram a renovação depois de agosto já receberam o documento: “Era para ser uma renovação automática, ou seja, direta, mas pra nós está demorando”, complementa a brasileira.

Ítalo Rocha, estudante de gastronomia na cidade de Viseu, já perdeu oportunidades profissionais pela falta do documento: “Recebi propostas e não pude ir por não ter a Autorização de Residência, isso é grave”, pontua o sergipano de 26 anos.

Além disso, o imigrante tinha planos de viajar no final de ano, mas, sem a documentação, terá que cancelar as passagens: “Quando falamos com o SEF, cada um fala uma coisa, mas nada concreto e nos mandam esperar, mas não sabemos até quando”, ressalta Ítalo.

Um decreto do governo considera que todos os documentos vencidos são válidos até o dia 31 de dezembro. No entanto, a lei vale apenas para dentro do território nacional e, além disso, algumas empresas não aceitam o documento vencido, segundo os relatos dos entrevistados.

Duas das brasileiras contataram o Centro Nacional de Apoio a Integração de Imigrantes (CNAIM) em busca de ajuda. A orientação foi de agendar um atendimento presencial no local, já marcado para o final de novembro, para analisar o caso.

Prazo máximo para decisão sobre renovação é de 60 dias

Os estudantes também efetuaram denúncias na Provedoria de Justiça, uma espécie de Defensoria Pública em Portugal. O órgão confirmou ao Agora Europa que recebeu 16 denúncias de estudantes estrangeiros sobre o caso. 

Segundo a Provedoria de Justiça, só podem ter tomadas providências após o prazo legal estabelecido pelo SEF para envio do documento, que é de 60 dias úteis: “Se esse prazo se mostra claramente superado e não é evidente razão para maior demora, as causas desta são objeto de esclarecimento junto do SEF”, esclarece o órgão.

Ao contrário do entendimento da Procuradoria de Justiça, no entanto, a legislação que regula o tema define que o prazo máximo para decisão do SEF deve ser de 60 dias: “O pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias”, diz o artigo 82 da lei.

“Quando são úteis, a lei diz que são úteis. Mas pode considerar que são 60 dias corridos”, confirma o brasileiro especialista em imigração e advogado em Portugal, Gustavo Carneiro. O prazo máximo estabelecido pela legislação já foi ultrapassado em todos os casos citados nesta reportagem, que deram entrada no pedido durante o mês de agosto, em datas como dia 17, 19 e 24.

A legislação que regula os prazos para emissão de uma decisão sobre o pedido de renovação da AR também afirma que, mediante a omissão do SEF sobre a solicitação, “o pedido entende-se como deferido”. Isso significa que a emissão do título de residência deve ser imediata após o vencimento do prazo legal de 60 dias.

Sem respostas do SEF sobre os atrasos

Contatado pelo Agora Europa, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não retornou ao pedido de informações sobre o caso. A situação dos estudantes não é a única relacionada com a renovação dos documentos de imigrantes em Portugal. Neste ano, o governo atrasou duas vezes a abertura das renovações automáticas da documentação, prejudicando estrangeiros que precisavam estar com o documento válido.

Em entrevista ao Agora Europa no mês passado, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, atribuiu os atrasos a “questões técnicas” e falta de profissionais suficientes no SEF para atender toda a demanda de trabalho. Atualmente, o centro de contato telefônico do órgão possui cerca de 50 atendentes, enquanto o quadro total de funcionários que atendem os imigrantes nos postos é de “600 a 700” profissionais, de acordo com o ministro.

Questionado sobre como resolver a situação, Carneiro respondeu que a solução era a mudança do SEF para uma agência de imigração e a separação dos serviços. Segundo o titular da pasta, as renovações das Autorizações de Residências serão realizadas por cartórios, os mesmos responsáveis por renovar os documentos de cidadãos portugueses. A previsão é que o processo de transição inicie no início de 2023, mas sem uma data concreta.

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