Vigília para brasileira assassinada na Irlanda será realizada neste domingo

Em uma homenagem póstuma à brasileira Bruna Fonseca, de 28 anos, amigos, membros da comunidade brasileira e irlandesa e familiares, se reúnem em uma vigília neste domingo (8), em Cork, no sul da Irlanda. Com um pedido para que os participantes vistam branco e levem velas e flores, os organizadores desejam mandar amor e orações à família da estudante de inglês, assassinada no primeiro dia deste ano na região central da cidade. Miller Pacheco, de 29 anos, ex-companheiro de Bruna e também brasileiro, foi indiciado pelo crime e está detido na localidade.

Ao lado da sobrinha, Maria Luiza Fonseca Rosa, a vítima embarcou para a Ilha da Esmeralda em setembro de 2022, realizando o sonho de fazer um intercâmbio e aprender inglês. A dupla deixou a cidade mineira de Formiga, com cerca de 70 mil habitantes, para se juntar à prima Marcela Silva Fonseca, com a mesma idade de Bruna, que já vivia em Cork há algum tempo. Desde então, o trio permaneceu unido.

Marcela lembra que a prima Bruna “sempre tirou de letra” a mudança para o território irlandês devido a sua proatividade. Desde o dia da chegada, mesmo sem falar inglês, surpreendeu a todos com a vontade de fazer o intercâmbio dar certo: “Ela chegou na rodoviária em Dublin e conseguiu internet em uma banca pra elas se comunicarem com a gente (…). Com um mês, ela já estava com tudo: acomodação, conta no banco, PPS (equivalente ao CPF brasileiro), emprego. E, depois, ajudou a Maria a conseguir casa também”, conta a imigrante. “Ela era meu braço direito”, acrescenta a sobrinha da vítima, Maria Luiza, de 18 anos, em entrevista ao Agora Europa.

Ao falar da infância ao lado da tia, Maria Luiza lembra que nem sempre foi assim. Com 10 anos de diferença, diz que as duas viviam se “alfinetando”, mas assim que cresceu, se tornaram inseparáveis. Bruna era a filha mais nova. Com duas irmãs, Fernanda e Isabel, mesmo de longe, tinha uma conexão muito forte com a mãe Marina: “A vó é a puxa-saco dela, é a preferida”, relata a sobrinha.

Assim como na terra natal, Bruna foi criando vínculos fortes desde que chegou na ilha. Formada em Biblioteconomia pelo Centro Universitário de Formiga, ao chegar na Irlanda trocou a área de atuação, como ocorre com grande parte dos imigrantes que se desafiam a aprender um novo idioma. Foi trabalhando como auxiliar de limpeza em um hospital da cidade que, em outubro do ano passado, conheceu a paulista Letícia Souza Silva, de 27 anos, de quem se tornou muito amiga.

Apesar do curto espaço de tempo, Letícia guarda muitas lembranças da amizade. Desde estarem trabalhando juntas na Copa do Mundo, sem poder assistir ao jogo e Bruna correr para comemorar um gol, até estar comendo um doce porque foi apresentado a ela pela colega. Para a paulista, Bruna era a pessoa mais sonhadora e batalhadora que conheceu na Irlanda: “É assim que gostaria que ela fosse lembrada, como uma pessoa forte, porque ela era forte, muito guerreira. Ela estava sempre tentando ficar alegre, independentemente das circunstâncias, e ajudava em tudo. Ela era incrível”, recorda Letícia.

Ex-companheiro é acusado pelo crime

Letícia estava no mesmo local onde Bruna, a sobrinha e outras amigas festejaram o Ano Novo, um tradicional bar localizado no centro de Cork, horas antes do crime. Foi lá que se despediu pela última vez da amiga, por volta das duas horas da manhã. Após um chamado, a brasileira foi encontrada desacordada por agentes da Garda (polícia local) em um apartamento localizado no centro da cidade, por volta das 6h30 da manhã. Mesmo após tentativas dos policiais para reanimá-la, a bibliotecária não resistiu e morreu no local.

O ex-companheiro de Bruna, Miller Pacheco, foi detido na manhã do crime e interrogado pela polícia local. Ele também estava na festa de Ano Novo poucas horas antes. O brasileiro foi indiciado por homicídio e levado ao Tribunal de Cork na segunda-feira (2). Desde então, está sob custódia na cidade irlandesa onde o crime ocorreu. O suspeito vai se apresentar novamente à Corte em uma audiência que será realizada na próxima segunda-feira (9).

De acordo com os familiares, Miller e Bruna se conheciam há cerca de cinco anos. Também natural de Formiga, o mineiro estudou engenharia na cidade de Franca, no interior de São Paulo. A bibliotecária chegou a se mudar para a localidade onde viveu com o então namorado por cerca de dois anos. No ano passado, porém, Bruna voltou à cidade natal após se separar de Miller e decidiu fazer o intercâmbio. Pouco tempo antes da viagem, ambos voltaram a se relacionar, mas, inicialmente, o então namorado não veio para a Irlanda.

O acusado decidiu se juntar à Bruna em Cork cerca de dois meses após a brasileira chegar à cidade, mas o namoro terminou novamente em dezembro. Por conta da investigação, que corre em segredo de Justiça, familiares e amigos não podem dar informações sobre o relacionamento ou o que ocorreu na madrugada antes do crime.

Justiça para Bruna

Entre os planos e sonhos de Bruna que foram interrompidos, está a primeira viagem que ela faria junto com a sobrinha no final deste mês, para a cidade de Amsterdã, na Holanda. Além disso, também não será possível o reencontro que ela planejava com a mãe, familiares e com o cachorrinho D’eagle, de quem ela sentia muita falta.

No Brasil, a família tem recebido o apoio de moradores locais, parentes e amigos: “A mãe dela está arrasada, mas a Bruna teve um dos corações mais bonitos que a gente já viu, tudo pela mãe dela”, desabafa a prima Marcela. Uma irmã da vítima virá à Irlanda para levar o corpo de volta ao território brasileiro, no entanto, ainda não há uma data confirmada para que isso ocorra. 

Já Marcela e Maria, com o suporte dos amigos, decidiram permanecer no país: “A gente quer que ela tenha uma despedida digna de tudo o que ela era, mas nós vamos ficar porque a gente viveu tudo aqui e eu acho que ir pro Brasil seria viver tudo de novo”. No momento, elas estão em contato com as autoridades policiais para que o corpo seja liberado o mais rápido possível.

Para as amigas e familiares, o mais importante agora é que haja justiça: “Não importa a circunstância, nós somos donas das nossas vidas, é inadmissível. Nada justifica o que aconteceu com ela”, desabafa Letícia. A prima Marcela também aponta que o caso de Bruna não deve passar despercebido por outras mulheres: “Eu quero que ela seja lembrada sempre pelo coração incrível que ela tem (…) e chamar atenção de todo mundo para tomar cuidado com a pessoa que está se relacionando”, finaliza a brasileira.

A vigília para Bruna, marcada para este domingo (8), inicia às 10h, no The Lough, no parque próximo ao lago, localizado mais ao sul da cidade de Cork. Um financiamento coletivo para auxiliar com o traslado do corpo foi lançado e, em três dias, foram arrecadados mais de 50 mil euros.

Na Capital irlandesa, também será realizada uma vigília neste domingo (8) em memória à Bruna e a “todas as mulheres que morreram nas mãos de homens”, como destaca o movimento ROSA, responsável pela organização. O ato inicia às 11h em Smithfield, Dublin 7, em frente ao mural feito pela artista de rua Emmalene Blake, em protesto contra crimes de feminicídio. A obra traz a frase: “Pare de matar mulheres”, que será utilizada pelos participantes como forma de protesto.

Segundo caso em pouco mais de um ano

O assassinato de Bruna ocorreu pouco mais de um ano após outra imigrante do Brasil também ter sido morta na Irlanda. Em novembro de 2021, a paulista Fabíole Câmara, de 32 anos, foi assassinada no apartamento onde morava em Dublin. O marido da vítima, Diego Costa, de 30 anos, foi preso logo após o crime.

Como pedir ajuda em situações de violência

Para evitar que histórias como a de Bruna e de Fabíola se repitam, coletivos de mulheres atuam no país para prestar auxílio a quem pode estar passando por situações de violência. Além de entidades irlandesas, como a Women’s Aid, brasileiras também oferecem suporte, o que pode ajudar quem ainda prefere se comunicar em português. É o caso do Grupo Mulheres do Brasil do Núcleo Dublin.

Atualmente, quem precisa de ajuda pode entrar em contato por meio do email [email protected] e, depois, o atendimento será realizado da maneira que deixar a vítima mais confortável. Em breve, o grupo vai lançar um guia chamado “Cartilha da Mulher na Irlanda”: “ela traz especificamente informações sobre violência, onde pedir ajuda se é uma situação de emergência (…), se ela quer identificar se está vivendo uma violência ou não, então detalhamos tudo”, explica a assistente social Helen Brito Arruda, que atua na entidade. Pessoas em situação de perigo podem ligar para a Garda pelo número de emergência 999 ou 112.

O grupo também está lutando para que a violência de gênero se torne um crime punível pela lei irlandesa, a exemplo da Lei do Feminicídio, aprovada em 2015 no Brasil, que qualifica o assassinato de mulheres envolvendo violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima como crime hediondo, trazendo punições mais severas. Para isso, foi criada uma petição pública que já conta com mais de 300 assinaturas.

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